Inclusão

LGBTfobia: mais de 60 mil vítimas foram atendidas no Rio em 5 anos

Dia contra o preconceito é celebrado neste 17 de maio

A data é importante, pois dá destaque ao combate contra o preconceito sofrido dia após dia pela comunidade LGBTQIA+
A data é importante, pois dá destaque ao combate contra o preconceito sofrido dia após dia pela comunidade LGBTQIA+ |  Foto: Karina Cruz
 

Quase 60 mil pessoas vítimas de LGBTfobia foram atendidas no Rio entre 2017 e 2023. Os dados são do Rio Sem LGBTfobia, entidade do governo estadual do Rio criada há 13 anos para auxiliar pessoas que sofrem discriminação. 

Neste dia 17 de maio é celebrado o Dia Internacional de Luta contra a LGBTIfobia. A data chama a atenção para o combate ao preconceito sofrido pela comunidade LGBTQIA+.

No Rio, a entidade realizou mais de 7,4 mil atendimentos à população que necessitou de auxílio social e psicológico, além do assessoramento jurídico, em 2023. 

O programa é coordenado pela Superintendência de Políticas para LGBTI+ da Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos do governo do estado do Rio, que em cinco anos, atendeu mais de 55 mil pessoas. 

Ernane Alexandre Pereira, de 50 anos, atua no projeto desde o início. Atualmente, ele é coordenador do programa e Superintendente de Políticas Públicas LGBTI+. Ele afirma que o dia 17 de maio é uma data que serve para refletir sobre os números de violência contra a população LGBTQIA+. 

"A importância do Dia Internacional de Combate a Homofobia, hoje estendido para LGBTIfobia, é o fato de que no dia 17 maio de 1990 foi retirado da Side o diagnóstico pejorativo de doença, como era entendida a palavra "homossexualismo". Tínhamos, mais uma vez, o estigma, o preconceito relacionados a nós LGBTs. Este sufixo deixou de existir para a nossa população. Refiro-me à palavra homossexualismo. Desde então, usamos a palavra homossexualidade. Portanto, não tem mais essa conotação de ser uma doença. O Dia 17 de maio é um dia muito importante por legitimar os direitos LGBTI+ e também para refletirmos sobre os números de violência contra a população LGBTI+. Os Centros de Cidadania LGBTI+ estão mobilizados para a data, com diversos eventos locais, das zonas de abrangências de cada um", disse ele que também é advogado e professor de Direito da Fundação Oswaldo Cruz.

Os atendimentos do Rio Sem LGBTIfobia em 2021 ultrapassaram 10 mil membros da comunidade que precisavam de ajuda por causa de crimes contra eles, já em 2022, foram auxiliados mais de 25 mil indivíduos. 

Segundo ele, o programa surgiu da necessidade de um atendimento específico e também de implementação das normas de combate à LGBTIfobia no estado do Rio. Com a implementação do programa, foram criados Centros de Cidadania LGBTI+ e NADs (Núcleo de Atendimento Descentralizado) por todo Estado do Rio de Janeiro, com capacidade de desempenhar papel de acolhimento, orientação e ratificação do acesso a direitos básicos.

"A homofobia se depara mais na questão do ódio, da aversão, do medo. Até mesmo de estar próximo a pessoas LGBTI+. Não querer se relacionar seja no trabalho, na escola, na sociedade. Além de crimes de preconceito, discriminação. A violência também pode ser velada. Até mesmo pelo fato da orientação sexual ou então por causa da identidade de gênero da pessoa", afirmou.

Sobre a aplicação da lei que pune crimes contra a comunidade, Alexandre é taxativo. "A Lei 7.716/89, conhecida como Lei do Racismo, pune todo tipo de discriminação ou preconceito, seja de origem, raça, sexo, cor, idade. Ela nos ampara mesmo sendo advinda do racismo. Entretanto, ainda temos a necessidade de reafirmar qualquer caso de violência LGBTfóbica, de ir a uma delegacia especializada como a Decradi, ir a um núcleo como o Nudiversi, que atua na defesa individual e coletiva dos direitos dos cidadãos LGBT e busca fomentar e monitorar a política pública destinada a promover a igualdade deste grupo populacional", diz. 

Violência

Vítima de uma tentativa de feminicídio em 2022, Nycolle Dellveck, de 25 anos, mulher trans, sofreu na pele o preconceito em Niterói. Ela foi baleada no rosto por um pai e um filho mototaxistas próximo de seu local de trabalho e ficou internada no Hospital Estadual Azevedo Lima (Heal) por dois dias, devido à gravidade dos ferimentos. A situação também envolve intolerância religiosa. 

Atendimentos do Rio Sem LGBTIfobia em 2021 ultrapassaram 10 mil membros da comunidade
  

Tudo começou quando a vítima discutiu com um dos acusados após ele dizer que não levaria uma amiga dela em sua moto. Depois disso, Nycolle foi embora com sua amiga, mas, no dia seguinte, recebeu uma mensagem estranha do acusado perguntando se ela estaria naquela rua naquele dia. Para se proteger, ela disse que não.

Um outro dia, ela voltou ao trabalho e o homem foi procurá-la. Durante a conversa, o homem fez insultos contra a religião dela e, em seguida, fez disparos contra a jovem, que conseguiu fugir, mas não antes de ser atingida no rosto por um tiro. 

Após o crime, o acusado fugiu. Ele foi preso dias depois, junto com seu filho, que pilotava a moto onde o pai estava quando cometeu o crime. Além de falar mal da religião da jovem, o acusado ainda chamou a amiga dela de 'veado', usando um termo pejorativo. 

Seis meses após o crime, Nycolle ainda vive com medo já que um dos acusados, que é menor, cumpriu medidas socieducativas por alguns meses, mas já retornou para as ruas.

Segundo contou a jovem travesti, esse não é o primeiro caso de preconceito que aconteceu contra ela. Nycolle já foi sequestrada e espancada em anos anteriores por outros homens preconceituosos. Por isso, para ela, a comemoração relacionada ao dia 17 de maio ocorre todos os dias.

"É um dia muito importante para toda comunidade e classe LGBTQIA+. Eu comemoro todos os dias essa data por estar viva sendo uma mulher trans nesse país que mais mata e consome pornografia transexual. Sigo firme no meu caminhar levantando a bandeira todos os dias, é muito triste saber que uma pessoa perde a vida só por se ela mesma. Ser LGBT não é doença. Não entendemos esse preconceito que vivemos na pele todos os dias", disse ela. 

Não é só Nycolle que sofre violência, mas sim seus amigos da comunidade. Sobre o que ocorreu com ela, Nycolle afirma que vai levar marcas do ocorrido por todos os dias de sua existência, mas segue lutando. 

"Lembro de cada detalhe daquele dia monstruoso, mas dei a volta por cima e renasci das cinzas, esse ocorrido me fez ver a vida de forma diferente. Hoje, eu acredito em dias melhores, mesmo tendo medo de um dos meus agressores que segue solto. Acredito que, hoje, a justiça precisa de leis mais rigorosas que nos defendam", afirmou. 

A advogada de Nycolle, Andrea Kraemer, afirma que o Brasil está entre os cinco países que mais mata membros da comunidade LGBTQIA+. Ela é advogada, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB de Niterói, presidente da Amazoeste Expansão Niterói, uma associação de mulheres advogadas, militante dos Direitos Humanos há 30 anos e membro do Conselho Municipal LGBTQIA+ de Niterói. Ela defende casos de crimes contra membros da comunidade LGBTQIA+ há mais de 10 anos, incluindo casos de difamação, injúria, agressão, ameaças e outros. 

"A comunidade é ameaçada pelo simples fato do outro não gostar de gays, lésbicas, trans e etc. Não faço parte da comunidade, sou hétero, mas acredito que estamos lidando com pessoas, todos são iguais e, por isso, faço questão de ajudar. Infelizmente, hoje vivemos num país preconceituoso e uma tentativa de mudar isso seria uma política pública que ajudasse a conscientizar a população, com deputados e vereados que legislem a favor dessas pessoas da comunidade, acolhendo-as. A lei ainda não é tão punitiva quanto deveria ser. Por exemplo, eu acredito que deveria ter uma delegacia própria para atender a comunidade. As Delegacias de Atendimento às Mulheres atendem mulheres trans, mas, até que ponto? Se tivéssemos mais projetos inclusivos, mais delegacias especializadas seria melhor. Eu já ouvi, em delegacias, policiais perguntando se 'isso', no caso o meu cliente, era homem ou mulher, demonstrando preconceito apenas pela vítima ser trans", afirmou a advogada. 

Andrea já atendeu, no município de Niterói, mais de 30 casos de crimes contra a comunidade LGBTQIA+ e ressalta que aqueles que sofrem crimes de LGBTIfobia, denuncie. "Crimes contra a comunidade são todos aqueles que as pessoas sofrem apenas causa de seu gênero e pelo preconceito, crimes de lesão, ameaça, injúria e difamação, como qualquer pessoa, mas, nesse caso, ligado ao gênero dele, ao preconceito. O que eu recomendo para quem passa por esses crimes é procurar um profissional ligado à comunidade, que vai saber lidar com isso e transformar isso a favor da vítima", concluiu. 

  • Andrea já defendeu mais de 30 casos contra a comunidade em Niterói
    Andrea já defendeu mais de 30 casos contra a comunidade em Niterói
  • Nycolle já foi agredida, pelo menos, três vezes em sua vida por preconceito
    Nycolle já foi agredida, pelo menos, três vezes em sua vida por preconceito
  • Ernane Alexandre Pereira é coordenador do programa e Superintendente de Políticas Públicas LGBTI+
    Ernane Alexandre Pereira é coordenador do programa e Superintendente de Políticas Públicas LGBTI+
  

O Rio Sem LGBTIfobia pode ser uma forma de ajuda. Para entrar em contato com eles, pode ser pelo Disque Cidadania e Direitos Humanos, pelo 0800 0234567, ou pelo Disque 100 do Governo Federal. Uma outra alternativa também pode ser as especializadas como a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) e canais de denúncias como o da Defensoria Pública.

Endereços e telefones: 

CC LGBT Baixada 1 Rua Frei Fidélis, S/N Centro, Duque de Caxias - (21) 2775-9030 / 2775-9049

CC LGBT Baixada 2 Rua 6 de Fevereiro, S/N Japeri, RJ -

CC LGBT Baixada 3 Rua Terezinha Pinto, 297 Centro, Nova Iguaçu - (21) 2334-5570 / 97224-3564

CC LGBT Baixada Litorânea Rua José Pinto de Macedo, S/N Prainha, Arraial do Cabo - (22) 98866-0772

CC LGBT Capital 1 Prédio da Central do Brasil, 7º andar Centro, Rio de Janeiro - (21) 2334-9577 / 2334-9578

CC LGBT Capital 2 Av Cesário de Melo, 13735 Santa Cruz, Rio de Janeiro - (21) 2333-4202

CC LGBT Capital 3 Rua Sargento Silva Nunes, 1012 Complexo da Maré, Rio de Janeiro - (21) 3105-5531

CC LGBT Centro-Sul Avenida Presidente John Kennedy, 157 Centro, Miguel Pereira - (24) 98121-8003

CC LGBT Agulhas Negras Rua Faustino Pinheiro, 205 Centro, Quatis -

CC LGBT Médio Paraíba Rua Antônio Barreiros, 232 Nossa Senhora das Graças, Volta Redonda - (24) 3339-2288

CC LGBT Metropolitana Rua Visconde de Moraes, 119 Ingá, Niterói - (21) 99142-6341

CC LGBT Norte Fluminense Travessa Santo Elias, 252/292 Parque Jardim Carioca, Campos dos Goytacazes - (22) 99922-9018

CC LGBT Noroeste Fluminense Praça Ary Parreiras, 25 Solar da Dona Brasileira, Miracema -

CC LGBT Serrana Avenida Alberto Braune, 223 Centro, Nova Friburgo - (22) 2523-7907

CC LGBT Vale do Paraíba Praça Heitor vale, 50 Centro, Barra do Piraí - (24) 992993819

NAD LGBT Queimados Rua Otília, 1495 Rua do Fórum, Queimados - (21) 3698-6441

NAD LGBT Maricá Rua Domício da Gama, 391 Centro, Maricá - (21) 2721-4414 / 2721-4578

Centro de Atendimento Comunitário Arco- Íris de Cidadania LGBTI+ Rua da Carioca, 45 Centro, Rio de Janeiro - (21) 2215-0844

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